App do Quênia traduz fala em linguagem de sinais em tempo real

A inteligência artificial vem transformando vidas em todo o mundo, e um dos exemplos mais inspiradores vem do continente africano. No Quênia, um grupo de jovens desenvolvedores criou um aplicativo inovador que utiliza IA para traduzir, em tempo real, a fala de ouvintes para a linguagem de sinais, facilitando a comunicação com pessoas surdas ou com deficiência auditiva.

O app se chama AssistAll, e foi desenvolvido pela startup Kenyatta University Innovation Center, ligada à Universidade de Kenyatta, uma das mais renomadas instituições de ensino do país. O projeto surgiu da necessidade de reduzir as barreiras de comunicação enfrentadas por cerca de 150 mil pessoas surdas no Quênia, segundo dados da Kenya National Bureau of Statistics.

Como funciona o AssistAll?

O funcionamento do aplicativo é relativamente simples, mas extremamente poderoso. Utilizando tecnologias de reconhecimento de voz, processamento de linguagem natural (PLN) e geração de avatares em 3D, o app capta a fala de uma pessoa e, instantaneamente, a traduz para a Língua de Sinais do Quênia (KSL – Kenyan Sign Language).

A tradução aparece na tela do smartphone por meio de um avatar digital 3D, que reproduz os sinais de forma precisa, permitindo que uma pessoa surda compreenda a mensagem sem depender de intérpretes humanos.

Além disso, o AssistAll também funciona na direção oposta: usuários surdos podem selecionar sinais no app, que são convertidos em fala sintetizada, permitindo que a comunicação seja bilateral.

IA a serviço da inclusão

Esse tipo de desenvolvimento é fundamental em um país como o Quênia, onde há uma escassez crítica de intérpretes de linguagem de sinais — estima-se que haja apenas um intérprete para cada 6.500 pessoas surdas.

De acordo com a reportagem da BBC News, publicada em fevereiro de 2024, o projeto recebeu apoio do governo queniano e de organizações internacionais que atuam na inclusão de pessoas com deficiência. A startup também trabalha em parceria com o National Council for Persons with Disabilities (NCPWD).

O impacto da iniciativa é tão significativo que o app está sendo considerado para adoção em serviços públicos, hospitais, escolas e até tribunais, onde a comunicação clara e acessível é essencial.

Desafios tecnológicos e culturais

Apesar dos avanços, os desenvolvedores enfrentaram desafios complexos. Diferentemente do inglês ou do suaíli, as línguas de sinais possuem gramática própria, estrutura diferente e muita variação regional. Isso exigiu um treinamento robusto dos modelos de IA com dados específicos da KSL, além da validação constante por parte da comunidade surda queniana.

Outro desafio foi garantir que os avatares em 3D tivessem movimentos naturais, expressivos e culturalmente apropriados, já que a linguagem de sinais não depende apenas das mãos, mas também de expressões faciais e posturas corporais.

Reconhecimento internacional

O sucesso do AssistAll não ficou restrito ao território queniano. O app foi apresentado na GITEX Africa 2024, uma das maiores feiras de tecnologia do continente, e recebeu menções em publicações como TechCrunch, Reuters e BBC.

A ONU, por meio da sua agência ITU (International Telecommunication Union), classificou o projeto como uma das 100 inovações tecnológicas mais impactantes para inclusão digital em países em desenvolvimento.

O futuro do AssistAll

Segundo os desenvolvedores, os próximos passos incluem:

  • Expandir o suporte para outras línguas de sinais na África, como a da Tanzânia, Uganda e Ruanda.
  • Desenvolver integração com dispositivos vestíveis e smart glasses, permitindo que a tradução ocorra sem necessidade de olhar constantemente para o smartphone.
  • Melhorar os modelos de IA para reduzir ainda mais latências e aumentar a precisão.

A longo prazo, a ambição da startup é transformar o AssistAll em uma plataforma global de tradução de linguagem de sinais, capaz de operar em múltiplos idiomas e contextos culturais, democratizando o acesso à comunicação para milhões de pessoas no mundo todo.

Um exemplo de como a IA pode, de fato, mudar vidas

O sucesso do AssistAll reforça que a tecnologia, quando pensada para resolver problemas reais, se torna uma poderosa ferramenta de inclusão social. E mais: mostra que a inovação não é privilégio dos países do Norte Global. Pelo contrário — o continente africano, e o Quênia em especial, vem se destacando como um polo crescente de soluções tecnológicas de impacto social.