O Dia do Drácula, celebrado em 26 de maio, evoca imediatamente a figura arrepiante do vampiro mais famoso da literatura e do imaginário popular. A data marca a publicação do clássico romance “Drácula” de Bram Stoker, lançado em 1897, que imortalizou um mito enraizado em séculos de folclore e surpreendentemente, em um personagem histórico real. Para compreendermos a profundidade e o fascínio que cercam o Conde Drácula, é essencial mergulharmos na intrincada teia que une história, lenda e as razões pelas quais essa figura sombria continua a nos assombrar.
A Sombra da História: Vlad, o Empalador
Por trás da figura ficcional do Conde Drácula reside um personagem histórico com uma biografia tão brutal quanto a lenda que o sucedeu: Vlad III, Príncipe da Valáquia (região que hoje faz parte da Romênia). Nascido por volta de 1431, Vlad III era membro da Casa de Drăculești, um ramo da Casa de Basarab. O nome “Dracul” (“dragão” ou “diabo” em romeno arcaico) foi herdado de seu pai, Vlad II Dracul, que pertencia à Ordem do Dragão, uma sociedade militar cristã criada para proteger o cristianismo na Europa Oriental contra o avanço do Império Otomano. O sufixo “-a” adicionado ao nome de Vlad III significava “filho de Dracul”, tornando-o Vlad Drácula, ou “Filho do Dragão/Diabo”.
O reinado de Vlad III foi marcado por uma implacável defesa da Valáquia contra as ambições expansionistas otomanas. Em um período de instabilidade política e ameaças constantes, Vlad adotou métodos extremamente cruéis para manter a ordem e intimidar seus inimigos, tanto internos quanto externos. Sua tática de terror mais notória era o empalamento, uma forma de execução extremamente dolorosa e lenta que consistia em atravessar o corpo da vítima com uma estaca. Relatos da época, muitas vezes exagerados por seus inimigos, descrevem cenas macabras de florestas de corpos empalados, erguidas como um aviso horripilante.

As motivações de Vlad para tamanha brutalidade são complexas. Alguns historiadores argumentam que ele agia em um contexto de guerra e sobrevivência, onde a crueldade era vista como uma forma eficaz de dissuasão. Outros apontam para traços de sadismo e uma personalidade implacável. Independentemente da interpretação, seus atos de extrema violência deixaram uma marca indelével na história da Valáquia e contribuíram para a sua reputação sinistra.
O Véu da Lenda: O Vampiro Sanguinário
A figura lendária do Conde Drácula, popularizada por Bram Stoker, diverge significativamente da figura histórica de Vlad III, embora beba de algumas fontes e da atmosfera de terror que o cercava. No romance gótico, Drácula é um antigo nobre da Transilvânia (região vizinha à Valáquia), um vampiro imortal que se alimenta do sangue de seres vivos para manter sua não-vida. Ele possui poderes sobrenaturais, como a capacidade de se transformar em morcego ou névoa, controlar o clima e hipnotizar suas vítimas.
A lenda do vampiro, por sua vez, é muito mais antiga que Vlad III e Bram Stoker. Crenças em seres que se alimentam da energia vital ou do sangue de outros existem em diversas culturas ao redor do mundo, desde a antiguidade. Na Europa Oriental, particularmente nos Balcãs, o folclore sobre os “strigoi” (uma espécie de morto-vivo que podia retornar para atormentar os vivos) era difundido. Esses seres eram frequentemente associados a doenças inexplicáveis, mortes súbitas e pragas.
Bram Stoker, ao escrever seu romance, se apropriou do nome “Drácula” e de alguns elementos vagos da história de Vlad III, como sua reputação de crueldade e sua associação com a região da Valáquia/Transilvânia. No entanto, ele teceu esses fragmentos em uma narrativa original, incorporando elementos do folclore vampírico europeu e explorando temas como o medo do desconhecido, a sexualidade reprimida e a luta entre o bem e o mal. O Drácula de Stoker é um predador sedutor e aristocrático, uma encarnação do mal ancestral que ameaça a ordem e a moralidade da sociedade vitoriana.
A Confluência Sombria: Onde a Verdade Encontra a Lenda
A conexão entre Vlad III e o Drácula de Bram Stoker é tênue, mas crucial para entender a gênese do mito moderno. Stoker provavelmente teve acesso a relatos históricos e folclóricos sobre Vlad III, talvez através de livros de história ou de conversas com o estudioso húngaro Ármin Vámbéry. A reputação de Vlad como um governante cruel e impiedoso certamente ressoou com as características sombrias que Stoker queria atribuir ao seu vilão.
No entanto, é importante ressaltar que Vlad III não era um vampiro no sentido literal da lenda. Não há evidências históricas que sugiram que ele bebia sangue ou possuía poderes sobrenaturais. A associação com o vampirismo é uma construção literária que se aproveitou da aura de terror que já envolvia a figura histórica.
As lendas populares sobre vampiros na região dos Balcãs, que precederam tanto Vlad III quanto o romance de Stoker, forneceram o substrato para a criação do mito moderno. Crenças em mortos-vivos que retornavam para sugar a vida dos vivos eram comuns e estavam frequentemente ligadas a rituais de sepultamento inadequados, mortes violentas ou pessoas consideradas “diferentes” em vida.
O Caldeirão Cultural: Por que as Lendas Surgiram?
O surgimento de lendas como a do vampiro pode ser explicado por uma variedade de fatores culturais, sociais e psicológicos:
- Medo do Desconhecido e da Morte: A morte sempre foi um mistério para a humanidade, e o medo do que acontece após a vida, bem como o medo dos mortos retornarem, é uma constante em muitas culturas. Lendas de mortos-vivos podem ter surgido como uma forma de lidar com essa ansiedade.
- Explicação para o Inexplicável: Em tempos passados, antes do advento da ciência moderna, fenômenos naturais como doenças contagiosas, epidemias, mortes súbitas e inexplicáveis eram frequentemente atribuídos a causas sobrenaturais. A figura do vampiro poderia servir como uma explicação para a propagação misteriosa de doenças ou para o enfraquecimento repentino de indivíduos.
- Ansiedades Sociais e Morais: Lendas de monstros e seres malignos muitas vezes refletem as ansiedades e os valores morais de uma sociedade. O vampiro, como um predador que se alimenta dos vivos, pode simbolizar ameaças à comunidade, à ordem social e à pureza.
- Folclore e Tradição Oral: As histórias e os mitos eram transmitidos oralmente de geração em geração, sofrendo alterações e adaptações ao longo do tempo. O folclore vampírico pode ter evoluído a partir de crenças antigas e de interpretações de eventos reais ou imaginários.
- O Poder da Narrativa: Histórias assustadoras sempre exerceram um fascínio sobre as pessoas. A figura do vampiro, com sua aura de mistério, poder e perigo, oferece um material rico para a criação de narrativas emocionantes e memoráveis.
No caso específico da lenda de Drácula, a figura histórica de Vlad III forneceu um ponto de ancoragem na realidade, por mais distorcida que a conexão tenha se tornado. A sua reputação de crueldade extrema e o ambiente sombrio da região da Valáquia/Transilvânia criaram um terreno fértil para o desenvolvimento de histórias macabras que se fundiram com o folclore vampírico preexistente. O gênio literário de Bram Stoker, ao reunir esses elementos em uma narrativa envolvente e aterradora, solidificou a imagem do Conde Drácula como o arquétipo do vampiro na cultura ocidental.
Fatos Curiosos que Assombram a Imaginação:
- Bram Stoker nunca visitou a Romênia: Toda a sua inspiração para o cenário do romance veio de pesquisas em livros e relatos de viajantes. Sua descrição da Transilvânia e do Castelo de Drácula é, em grande parte, fruto de sua imaginação.
- O Castelo de Bran não é o “Castelo de Drácula” oficial: Embora popularmente associado ao personagem, não há evidências históricas de que Vlad III tenha vivido lá por um período significativo. A escolha de Stoker pode ter sido influenciada pela sua aparência imponente e isolada.

- “Nosferatu” (1922): O Vampiro Proibido: A primeira adaptação cinematográfica de “Drácula”, o filme mudo alemão “Nosferatu”, não obteve os direitos autorais da obra de Stoker. A viúva do autor processou a produção, e todas as cópias do filme foram ordenadas a serem destruídas, embora algumas tenham sobrevivido, tornando-se um clássico do cinema de terror.
- A Influência da Tuberculose: Alguns estudiosos sugerem que a descrição dos vampiros no século XIX, com sua palidez, magreza e sede de sangue, pode ter sido influenciada pela prevalência da tuberculose, uma doença consuntiva que afetava muitas pessoas na época.
- O Turismo Sombrio: A lenda de Drácula impulsionou um significativo turismo na Romênia, especialmente na região da Transilvânia. Muitos visitantes buscam os locais associados ao mito, como o Castelo de Bran e a cidade de Sighișoara, onde Vlad III nasceu.
- Vlad III é considerado um herói nacional na Romênia: Apesar de sua crueldade, Vlad III é lembrado por muitos romenos como um governante firme e corajoso que defendeu o país contra a ameaça otomana. Essa dupla imagem contribui para a complexidade e o fascínio de sua história.
- O Dia Mundial do Drácula não é uma data oficial na Romênia: Embora celebrado por fãs ao redor do mundo, o dia 26 de maio não possui reconhecimento formal no país que deu origem à lenda histórica.
O Dia do Drácula nos convida a explorar as camadas profundas de um mito que transcendeu as páginas de um livro para se incrustar na cultura popular global. Ao desvendarmos a tênue linha que separa a história sombria de Vlad, o Empalador, da lenda sedutora do Conde Drácula, podemos compreender melhor as origens de nossos medos mais primordiais e o poder duradouro das narrativas que nos assombram. A figura do vampiro, nascida de um caldeirão de folclore, história e imaginação literária, continua a nos fascinar, a nos aterrorizar e a nos lembrar da eterna batalha entre a luz e a escuridão que reside em todos nós.