Vida ou Morte por Algoritmo? O Debate Urgente da ONU Sobre Armas Autônomas

O objetivo da criação da ONU – Organização das Nações Unidas, em 1945 foi o de manter a paz e a segurança internacionais.
Em pauta em suas reuniões a mais de 10 anos, o tema dos “robôs assassinos” ou, para usar o termo técnico mais preciso, Sistemas de Armas Autônomas Letais (LAWS – Lethal Autonomous Weapons Systems) é um tópico de grande preocupação ética, legal e de segurança internacional.

As discussões sobre LAWS ocorrem principalmente no âmbito da Convenção sobre Certas Armas Convencionais (CCW – Convention on Certain Conventional Weapons), um tratado de desarmamento humanitário. O grupo encarregado de lidar com essa questão é o Grupo de Peritos Governamentais sobre Sistemas de Armas Autônomas Letais (GGE on LAWS).

As reuniões do GGE sobre LAWS são realizadas em Genebra, Suíça, que é o centro de muitos dos esforços de desarmamento da ONU. Para o ano de 2025 já houve uma sessão e outra está programada:

Primeira sessão de 2025: 3 a 7 de março de 2025 (já ocorreu).
Segunda sessão de 2025: 1 a 5 de setembro de 2025 (próxima reunião).
Além das reuniões específicas do GGE no âmbito da CCW, o tema também é frequentemente abordado na Assembleia Geral da ONU em Nova York, onde resoluções são votadas e debates mais amplos acontecem, como a reunião recente mencionada pelo Secretário-Geral em maio de 2025.

A discussão sobre LAWS ganhou força a partir de 2013, impulsionada por crescentes preocupações de organizações da sociedade civil, como a Campaign to Stop Killer Robots (Campanha para Parar os Robôs Assassinos), e por alguns países que defenderam a necessidade de um instrumento legal internacional para lidar com essas armas. O pedido para que o tema fosse discutido formalmente no âmbito da CCW veio de vários países e organizações, culminando na criação do GGE.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, tem sido uma voz forte a favor de um banimento global ou de uma regulamentação estrita, classificando essas armas como “politicamente inaceitáveis e moralmente repugnantes”, e pedindo que os Estados-Membros estabeleçam regulamentações e proibições claras até 2026.

As discussões sobre LAWS são complexas e abrangem uma série de pontos cruciais:

Definição: Um dos maiores desafios é chegar a uma definição internacionalmente aceita de o que constitui um “sistema de armas autônomas letais”. Geralmente, refere-se a sistemas de armas que podem selecionar e engajar (atacar) alvos sem intervenção humana significativa ou “controle humano significativo”.
Controle Humano Significativo (Meaningful Human Control): Este é o cerne do debate. A maioria dos países e organizações defende que deve haver sempre um “controle humano significativo” sobre o uso da força. A questão é o que isso significa na prática: o humano precisa autorizar cada ataque? Ou apenas supervisionar? Até que ponto a máquina pode tomar decisões?
Implicações Éticas: Delegar decisões de vida ou morte a máquinas levanta profundas questões éticas. Como as máquinas diferenciariam combatentes de civis? Elas poderiam demonstrar compaixão ou seguir princípios de proporcionalidade? Há o risco de desumanização da guerra.
Implicações Legais (Direito Internacional Humanitário – DIH): A grande preocupação é se os LAWS podem cumprir o Direito Internacional Humanitário, que exige distinção entre combatentes e civis, proporcionalidade no ataque e precauções para evitar danos a civis. A ausência de julgamento humano e empatia em máquinas pode levar a violações graves.
Responsabilidade: Quem seria responsabilizado se um robô assassino cometesse um erro ou uma atrocidade? O programador, o comandante, o fabricante, o país que o utilizou? A falta de uma cadeia clara de comando e responsabilidade é uma questão central.
Proliferação e Estabilidade Internacional: A proliferação dessas armas pode levar a uma nova corrida armamentista e aumentar o risco de conflitos. A menor barreira para o uso da força (sem risco para “operadores humanos”) poderia tornar a guerra mais provável.
Elementos de um Instrumento Legal: As discussões visam formular “elementos de um instrumento” – que pode ser um tratado vinculativo, um protocolo adicional à CCW ou outras medidas – para proibir ou regulamentar o desenvolvimento e uso dessas armas.

Praticamente todos os Estados-Membros da ONU têm o direito de participar das discussões no GGE sobre LAWS e na Assembleia Geral. As reuniões da CCW são geralmente abertas a todas as partes contratantes da convenção. No entanto, as posições dos países variam significativamente.

Quais Países se Opõem a Qualquer Regulamentação/Proibição?

A discussão na ONU tem sido marcada por um desacordo fundamental entre os países que apoiam um banimento total ou um tratado legalmente vinculativo e aqueles que resistem a essa ideia, preferindo abordagens menos restritivas ou mesmo nenhuma regulamentação formal.

Os países que têm se mostrado mais resistentes a um banimento ou a um tratado legalmente vinculativo sobre LAWS, muitas vezes argumentando que a regulamentação é prematura, que o DIH existente é suficiente ou que tais armas oferecem vantagens militares, incluem principalmente:

Rússia: Tem sido consistentemente contra a negociação de um novo tratado internacional ou uma moratória no desenvolvimento dessas armas, considerando os apelos “prematuros”.
Estados Unidos: Têm apoiado discussões e regras não vinculativas, mas não um banimento completo ou um tratado legalmente vinculativo. Argumentam pela aplicação do DIH existente.
Reino Unido: Semelhante aos EUA, tem apoiado discussões e diretrizes, mas tem se oposto a um banimento total.
Israel: Afirma que existem “vantagens operacionais” no uso de armas autônomas e que o DIH existente é adequado.
Coreia do Sul, Austrália, Japão, Polônia: Tendem a apoiar a regulamentação baseada no DIH existente, em vez de uma proibição explícita.
Índia: Argumenta que o direito internacional existente é suficiente.
China: Embora em alguns momentos tenha expressado apoio a um tratado para proibir o uso de LAWS, sua definição do que constitui um “robô assassino” é bastante restrita, e o país continua investindo no desenvolvimento dessas tecnologias.
Países que Apoiam um Banimento ou um Tratado Legalmente Vinculativo:

Por outro lado, um número crescente de países tem clamado por um banimento total ou por um instrumento legalmente vinculativo. Esses incluem:

Brasil, Chile, México: Têm sido vozes ativas da América Latina, defendendo a proibição de sistemas que operem sem controle humano significativo.
Áustria, Argentina, Bélgica, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Nigéria, Paquistão, Peru, Palestina, Serra Leoa, Uruguai: Estão entre os mais de 90 países que já expressaram apoio à negociação de um instrumento legalmente vinculativo.
Organizações da Sociedade Civil: A “Campanha para Parar os Robôs Assassinos” (Stop Killer Robots) é uma coalizão global de mais de 250 ONGs em 70 países que tem pressionado fortemente por uma proibição total.
Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV): Tem sido uma das principais vozes humanitárias, exigindo um novo tratado internacional que estabeleça proibições e restrições específicas para garantir o controle humano sobre o uso da força.


A questão dos “robôs assassinos” é um dos desafios mais prementes da diplomacia e do direito internacional no século XXI. A comunidade internacional se encontra em uma encruzilhada: abraçar o potencial militar desses sistemas com regulamentações frouxas ou estabelecer limites claros para proteger a humanidade das implicações éticas e humanitárias de delegar decisões de vida ou morte a algoritmos. O futuro da guerra e da humanidade pode depender de como essa questão será resolvida nas salas da ONU.